Pressão é uma coisa. Sentir-se pressionado é outra.

No esporte, a pressão é quase um uniforme invisível. Está ali antes mesmo de o jogo começar, no olhar da torcida, no placar que corre, no silêncio pesado de uma final ou no barulho ensurdecedor de uma arquibancada lotada. Mas existe uma diferença que passa despercebida quando se fala dela: estar pressionado não é o mesmo que se sentir pressionado.

Estar pressionado é algo externo. É objetivo. Todos os atletas de uma final olímpica estão pressionados, todos que cobram um pênalti decisivo em uma Copa do Mundo carregam o mesmo peso da expectativa coletiva. É como a gravidade: simplesmente existe, e ninguém escolhe se quer ou não estar sujeito a ela. Mas sentir-se pressionado é outra coisa. É o filtro interno que cada atleta cria ao interpretar aquele momento. É a voz que ecoa na cabeça dizendo “não posso errar” ou “essa é a minha chance”. Dois atletas podem viver a mesma situação, mas um a enxerga como ameaça, o outro como oportunidade.

É por isso que Roberto Baggio, em 1994, diante do mundo inteiro, acabou mandando a bola para fora. A pressão externa era inevitável, mas o peso interno se tornou insuportável. É também por isso que Michael Jordan sempre parecia maior do que os jogos que disputava. A pressão estava lá, tão grande quanto em qualquer outro, mas ele não se deixava sentir esmagado. Transformava a expectativa em combustível. “Por que eu teria medo de errar um arremesso que ainda nem aconteceu?”, dizia. Já Simone Biles, em Tóquio, mostrou ao mundo o outro lado dessa história. Ela sabia da pressão externa, reconhecia sua condição de maior estrela dos Jogos, mas decidiu que não era saudável lidar com a pressão interna que naquele momento já havia ultrapassado os limites da segurança. Sua coragem não foi em executar um salto, mas em recusar a lógica cruel de suportar tudo calada.

A diferença está sempre nesse campo invisível que separa o que acontece fora do atleta e o que acontece dentro dele. A ciência já mostrou que não são os eventos que determinam o estresse, mas a forma como eles são interpretados. Cada um carrega uma zona particular em que consegue funcionar bem sob pressão, e ultrapassá-la significa perder a clareza, antecipar erros, lutar contra fantasmas criados pela própria mente.

E talvez esteja aí a grande ilusão: acreditar que é possível eliminar a pressão. Ela nunca vai desaparecer. Times podem ser blindados, entrevistas canceladas, jornalistas afastados, mas nada disso dissolve o fato de que, quando o jogo começar, ela estará lá. O que muda é o que se faz com ela por dentro. Billie Jean King, uma das maiores tenistas da história, certa vez disse que pressão é um privilégio. E de fato é. Só existe pressão onde existe grandeza.

A grande diferença, portanto, não está na existência da pressão, mas na forma como ela é digerida. A pressão externa é democrática, todos a recebem. A pressão interna é artesanal, cada um fabrica a sua.

O curioso é que buscamos no esporte um lugar de superação, mas insistimos em tratá-lo como um tribunal. A arquibancada, os jornais, as redes sociais, todos prontos a julgar. E o atleta, muitas vezes, embarca nessa mesma lógica, acreditando que seu valor está amarrado a um único instante. Talvez seja esse o maior erro: confundir grandeza com resultado, esquecer que a verdadeira grandeza está em como se atravessa o instante.

Pressão é o nome que damos à colisão entre expectativa e realidade. Mas só se sente esmagado quem decide lutar contra o que não pode controlar. Quando aceitamos que ela é parte do jogo, algo muda: em vez de lutar contra o peso, aprendemos a dançar com ele. É aí que entra a diferença entre o atleta que sucumbe e aquele que cresce.

No fundo, estar pressionado é a condição do esporte; sentir-se pressionado é a condição do humano. É a fronteira onde o atleta descobre quem realmente é.

E talvez seja por isso que nos emocionamos tanto com o esporte. Porque no fundo não estamos vendo apenas gols, pontos ou medalhas. Estamos vendo gente comum, com medos e sonhos como os nossos, tentando decidir, diante da gravidade do momento, se vão se deixar esmagar ou se vão usar essa mesma gravidade como trampolim.

Pressão é chão. Ela sempre vai existir. Mas sentir-se pressionado ou não, isso é escolha. E essa escolha silenciosa é o que separa aqueles que ficam presos ao instante dos que transformam o instante em eternidade.

Kleber Maffei

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