Quem tem ouvidos, ouça!

O futebol, mais do que um jogo, é um espelho. Ele reflete o que aceitamos, o que normalizamos e o que decidimos chamar de erro ou acerto. Recentemente, no Flamengo, Filipe Luís, técnico em início de carreira, mas já veterano em lucidez, fez o que poucos têm feito no esporte: estabeleceu um limite claro entre liberdade e irresponsabilidade, e chamou esse limite pelo nome que muitos evitam: disciplina.

A fala dele sobre o comportamento de Pedro, durante os treinos e na preparação para um jogo, foi sóbria, firme e respeitosa. Não houve ataque, houve posicionamento. Não houve vaidade, houve critério. Ele não falou sobre Pedro, o ídolo da torcida, nem sobre Pedro, o ser humano em crise com seu clube. Ele falou sobre Pedro, o profissional que não correspondeu ao que se espera dentro de uma cultura de alto rendimento.

O mais curioso foi ver que, ao contrário do que se imaginava, a maioria das pessoas apoiou Filipe. E isso é importante de dizer. Houve, sim, vozes contrárias, algumas delas de ex-jogadores e comentaristas, que trataram a postura do técnico como “exagerada”, talvez por projetarem no gesto do treinador a lembrança de cobranças malfeitas do passado. Mas o que realmente precisa ser dito é que não há nada mais respeitoso do que tratar um atleta como alguém capaz de responder por suas escolhas.

O problema, talvez, não esteja no que Filipe disse. Mas no que a sua atitude escancarou: estamos, há tempos, confundindo empatia com passividade. É como se, em nome de um afeto mal interpretado, o esporte tivesse deixado de ser um espaço formativo para se tornar um ambiente onde a verdade só é bem-vinda se for indolor. Mas educar, e liderar, é, muitas vezes, provocar desconforto em nome de um bem maior.

E se quisermos ser justos, e devemos, Pedro também merece ser olhado com humanidade. Não apenas como o atacante em má fase ou em descompasso com os treinos, mas como alguém que também vem sendo afetado por um contexto maior. A direção do Flamengo flertou com sua saída, o tratou como moeda de troca em alguns momentos, e isso, claro, deixa cicatrizes. Nenhum ser humano permanece ileso quando sua importância é colocada em dúvida pelo próprio lugar que deveria sustentá-lo.

Mas aqui está o ponto que não se pode negociar: o motivo explica, mas não justifica. Porque um atleta de alto rendimento, que já experimentou a glória e o peso de ser campeão, precisa saber sustentar sua conduta mesmo quando a estrutura falha. É esse o diferencial entre o talento e o exemplo. E todo exemplo custa.

A fala de Filipe, portanto, não foi uma acusação. Foi uma tentativa rara, e preciosa, de reeducar o olhar do futebol para o que realmente importa: a construção de um ambiente onde ética, entrega e disciplina não sejam virtudes opcionais, mas parte do contrato silencioso de quem escolheu viver do esporte.

Porque um treinador que não cobra, omite. Um clube que não protege a cultura do esforço, aduba o egoísmo. E uma torcida que prefere ídolos acima do coletivo, renuncia à grandeza em troca de brilho passageiro.

No fim das contas, essa história nos ensina algo maior: não é o talento que sustenta um vestiário, é o caráter. E quando a liderança tem coragem de falar, mesmo que desagrade, ela está cumprindo uma função que vai além do jogo: está educando. E educar, no futebol ou na vida, ainda é o gesto mais bonito que um líder pode oferecer.

Compartilhe:
Outras notícias
  • Yassaka
  • ELT Training
  • Bioritmo
  • Prefeitura de São Carlos
  • Smartfit
  • Fitness Brasil
  • Farmdigital
  • Movement
  • Core360
Kleber Maffei
© Kleber Maffei - Todos os direitos reservados.