Se existe algo que define um atleta de alto nível, é a disciplina. Desde cedo, aprendemos que o caminho para a excelência passa por acordar cedo, treinar pesado, seguir um plano, repetir, repetir, repetir. A consistência é exaltada como a chave para o sucesso, e qualquer desvio da rotina pode ser visto como um sinal de fraqueza, uma brecha que separa os bons dos extraordinários.
Mas e quando essa disciplina, ao invés de libertar, começa a aprisionar? O que acontece quando a rotina, criada para impulsionar o atleta ao topo, se torna um looping sem sentido?
A linha entre a consistência saudável e a rigidez sufocante é mais tênue do que parece. No início, a rotina oferece segurança, um senso de progresso, um controle sobre o caos. Mas, com o tempo, se não for bem administrada, pode virar um sistema fechado, onde o atleta faz tudo certo, mas perde o brilho nos olhos. O que antes era motivação vira apenas repetição automática. Ele se torna um especialista em cumprir tarefas, mas será que ainda sente prazer no que faz?
A disciplina, que deveria ser uma ferramenta, vira um fardo. O atleta faz tudo que precisa ser feito, mas a alegria se esvai pelo ralo da repetição inquestionável. Ele não erra, mas também não experimenta. Não improvisa. Não sente que pode quebrar o roteiro. Treina como um relógio e vive como uma máquina.
E aí surge um paradoxo curioso: a mesma disciplina que forma um campeão pode, se mal administrada, sufocar o próprio espírito que o fez chegar lá.
Quantos atletas, em algum momento da carreira, não se perguntaram: “Ainda faço isso porque amo ou apenas porque sempre fiz?”
Essa pergunta não é sobre rebeldia ou falta de comprometimento. Muito pelo contrário. Ela é sobre conexão. Sobre não perder o contato com aquilo que nos trouxe até aqui.
A questão não é abrir mão da disciplina. Nenhum atleta chega longe sem ela. Mas disciplina não pode ser algo engessado, que se impõe à força sem qualquer reflexão. Ela precisa ser revisitada, ressignificada, ajustada ao longo do tempo para que continue servindo ao atleta, e não o contrário.
Isso significa que, ao longo da carreira, é essencial parar para fazer perguntas que muitas vezes passam despercebidas:
• Por que eu faço isso? A disciplina deve estar atrelada a um propósito. Se a resposta for apenas “porque sempre fiz assim”, há um problema.
• A rotina ainda me desafia? O aprendizado e a evolução são combustíveis do desempenho. Quando tudo entra no piloto automático, pode ser um sinal de que a rotina já não está trazendo crescimento real.
• Eu tenho espaço para me conectar com o que me fez amar o esporte? A disciplina não pode ser uma trilha reta e inflexível. Pequenos ajustes, momentos de espontaneidade e até mesmo a inclusão de elementos diferentes no treino podem ajudar a manter vivo o prazer pelo que se faz.
• O que me motiva hoje é o mesmo que me motivava antes? A motivação muda. O que fazia sentido para um atleta de 18 anos pode não fazer mais para um de 30. Reconhecer isso é parte do jogo.
A disciplina não pode ser uma camisa de força. Ela precisa ser um processo vivo, que acompanha a evolução do atleta. Isso significa que, em alguns momentos, será necessário mudar o ritmo. O descanso estratégico, a variação nos métodos de treino, o espaço para testar coisas novas, tudo isso faz parte do caminho.
O grande erro é acreditar que disciplina é sinônimo de repetição cega. Não é. A disciplina real não está em cumprir uma rotina mecanicamente, mas em encontrar maneiras de mantê-la relevante. Em fazer ajustes sem perder o fio condutor. Em saber quando insistir e quando mudar a abordagem.
Porque, no final das contas, não é a rotina que nos torna melhores. É a nossa relação com ela.
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